Toda a cena é um fiasco. O drama teatral no Gabinete Oval da Casa Branca desencadeou uma série de respostas previsíveis pelo mundo todo. A indignação em relação ao presidente norte-americano Donald Trump pela sua grosseria para com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy foi uma das reacções. Depois, o fracasso do presidente francês Emmanuel Macron em criar um acordo europeu com o britânico Keir Starmer e o próprio Zelenskyy revelou o beco sem saída em que se encontra a guerra na Ucrânia. A dúvida que surge destas discussões é simples: há uma saída para o conflito?
Guerra Permanente
Se o objectivo de Zelenskyy e dos seus parceiros europeus é enfraquecer a Rússia ou derrubar o Governo de Vladimir Putin, então esta guerra pode prolongar-se indefinidamente ou acelerar-se até se transformar num perigoso cenário nuclear. As sondagens na Rússia mostram que o índice de aprovação de Putin se situa agora nos 87%. Mesmo com alguma reserva, este valor é muito superior ao índice de aprovação de Macron em França. Dado que a economia russa se manteve resiliente durante esta guerra, é pouco provável que enfraqueça com a continuação das hostilidades. No entanto, o que os indícios demonstram é que a economia europeia está a sofrer com uma inflação que não se conseguiu reduzir. Se o conflito continuar, disse Macron, os Estados europeus terão de aumentar os seus gastos militares para 3% ou 3,5% do PIB. Isto agravaria ainda mais as condições de vida da maior parte dos europeus. Estariam os jovens europeus da classe trabalhadora dispostos a ir defender a perigosa linha da frente na Ucrânia em nome de um objectivo de guerra (enfraquecer a Rússia) que é impossível? É pouco provável. (Há aqui uma crueldade adicional no facto de os ucranianos de classe média fugirem para a Europa Ocidental enquanto se pede aos europeus ocidentais da classe trabalhadora que vão defender esse país por eles).
Uma guerra permanente provocará uma perda desnecessária de vidas na Ucrânia e uma crise económica perpétua na Europa. Além disso, é improvável que os Estados Unidos financiem e apoiem militarmente um conflito deste tipo de forma indefinida, o que levaria ao colapso de qualquer compromisso europeu de longo prazo com a Ucrânia.
A Solução Coreana
Se nem a Ucrânia nem a Rússia estiverem dispostas a alcançar um cessar-fogo seguido de um acordo negociado (que incluiria garantias de segurança para ambas as partes), existe a possibilidade de que a actual linha da frente, que se estende do norte ao leste da Ucrânia, se transforme numa zona desmilitarizada permanente (ZDM). Desta forma, a Ucrânia ficaria indefinidamente dividida, com um enorme desperdício de riqueza social para manter uma linha de frente perpétua. Este é o cenário mais provável, embora possa ser pouco agradável para os europeus ter uma "Coreia" dentro do seu continente.
O exército sul-coreano mantém 600.000 soldados ao longo do paralelo 38, juntamente com quase 30.000 soldados norte-americanos. A situação no norte é muito semelhante. Todos os anos, são gastos milhares de milhões de dólares em vigilância e logística para mais de 2.300 quilómetros quadrados de território que, além disso, não pode ser utilizado para fins económicos. A Europa teria de aceitar esta solução coreana para a Ucrânia por toda a eternidade, assim como os Estados Unidos fornecem garantias e financiamento à Coreia do Sul, e a China faz o mesmo com a Coreia do Norte.
Um Consórcio de Segurança
O Processo de Helsínquia, que surgiu em 1975 para levar os Estados Unidos e a URSS a negociações e que resultou na criação da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), teve um impacto praticamente nulo na via para a paz na guerra da Ucrânia.
Os únicos interlocutores autorizados a falar sobre a guerra da Ucrânia, em nome de Zelenskyy, têm sido os Estados Unidos, os líderes da Europa Ocidental, os dirigentes da União Europeia (UE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Os líderes da Europa de Leste, à excepção daqueles integrados na NATO-UE, mantiveram-se em silêncio ou foram informados de que as suas opiniões não importam. No entanto, são precisamente esses países da Europa de Leste que partilham uma fronteira com a Rússia e que mais necessitam de formar um consórcio de segurança que inclua a Rússia e ofereça garantias mútuas.
Os países que fazem fronteira com a Rússia a oeste são, de norte a sul: Noruega, Finlândia, Estónia, Letónia, Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia e Azerbaijão (a Lituânia e a Polónia fazem fronteira com o Óblast de Kaliningrado, um enclave russo no mar Báltico). Três destes países (Finlândia, Estónia e Letónia) são membros da NATO e da UE, enquanto que um deles (Noruega) é membro da NATO, mas não da UE.
Seria possível que estes oito países convocassem uma cimeira com a Rússia para tratar de questões mais amplas de segurança, em vez de se limitarem à questão específica da Ucrânia? O facto de três países que fazem fronteira com a Rússia já serem membros da NATO (sendo um deles, a Noruega, membro fundador em 1949) sugere que os problemas da Ucrânia não estão necessariamente ligados à adesão à NATO. Em vez disso, derivam da instabilidade gerada por uma linha fronteiriça desenhada às pressas após o colapso da União Soviética em 1991 – o que afecta a Estónia, Letónia, Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia e Azerbaijão, mas não a Noruega e a Finlândia, que não faziam parte da URSS.
No início da década de 1980, o ex-primeiro-ministro sueco Olof Palme presidiu a Comissão Independente sobre Questões de Desarmamento e Segurança, cujo relatório de 1982, Segurança Comum: Um Programa para o Desarmamento, argumentava que "a tarefa da diplomacia é limitar, dividir e subdividir os conflitos, e não generalizá-los e agregá-los". Por outras palavras, nem todos os conflitos podem ser resolvidos ao mesmo tempo. Um cessar-fogo já é, por si só, um avanço. As questões devem ser separadas e tratadas individualmente, priorizando aquelas mais fáceis de resolver para gerar confiança. Juntar todas as questões num único problema torna uma disputa insolúvel.
Os países que fazem fronteira uns com os outros, incluindo aqueles que fazem fronteira com a Rússia no sul e no leste, precisam de aprender a coexistir. Não podem mudar a sua geografia e deslocar-se para outro lugar. A Ucrânia não pode ser transferida para França. Deve permanecer ao lado da Rússia. Nesse sentido, estes países precisam de encontrar formas de gerar confiança mútua.
Para começar, afirmar que não se pode confiar num vizinho é a pior forma de gerar confiança entre os povos de países limítrofes. Nem a UE nem a NATO (sem o pleno apoio militar dos Estados Unidos) podem subjugar a Rússia e forçá-la a curvar-se perante a Ucrânia. No ano passado, um ministro do governo britânico afirmou que o seu país só conseguiria sustentar seis meses de guerra numa escalada contra a Rússia. Entretanto, um relatório do Instituto de Kiel para a Economia Mundial sugere que a Alemanha está a gastar os seus recursos na compra de armamento, mas não dispõe de um exército permanente capaz de se defender por si própria, muito menos de vencer uma guerra ofensiva contra a Rússia. A Europa, sem os Estados Unidos, não passa de uma sombra.
Seria conveniente para todas as partes que um país fronteiriço com a Rússia solicitasse a criação de um consórcio de segurança deste tipo e que pudesse obter garantias da NATO de que não se expandirá mais para leste, ao mesmo tempo que asseguraria, por parte da Rússia, a retirada das suas tropas das regiões fronteiriças. Existem relações históricas e laços familiares entre os habitantes desses países, com famílias divididas entre ambos os lados da fronteira. Qualquer redução da tensão global é benéfica para a humanidade, e se tal manobra conduzisse à paz na Ucrânia, seria muito preferível a uma cicatriz permanente nesta região do continente europeu.
Vijay Prashad
Vijay Prashad é historiador, editor e jornalista indiano. É membro da redacção e correspondente-chefe da Globetrotter, parceira institucional da Libertária. É editor-chefe da LeftWord Books e diretor do Instituto Tricontinental de Investigação Social. Escreveu mais de 20 livros, incluindo As Nações Escuras e As Nações Mais Pobres. Os seus livros mais recentes são Lutar Torna-nos Humanos: Aprendendo com os Movimentos pelo Socialismo, A Retirada: Iraque, Líbia, Afeganistão e a Fragilidade do Poder Americano e Sobre Cuba: 70 Anos de Revolução e Luta (os dois últimos em coautoria com Noam Chomsky).
Fonte: Globetrotter