Os 50 (+1) anos da Revolução dos Cravos, 25 de Abril de 1974
José Daniel López entrevista Manolo Revuelta
Porque é que estavas em Portugal nesse ano?
Porque nessa altura trabalhava na Rádio Baviera, da Alemanha, e todas as tardes enviava as crónicas por telefone — naquela época, as notícias de Portugal tinham muita importância. Não estive o tempo todo de forma permanente, mas estive lá em 75 e depois, durante uma semana, em 76.
A história começa no final dos anos 60, com o governo da ditadura isolado na Europa, por se tratar de uma ditadura decadente com um grande problema nas suas colónias, onde enfrentava guerrilhas revolucionárias.
Em Portugal governava Marcelo Caetano. O ditador Salazar já não exercia, porque estava mentalmente incapacitado, mas continuavam a repetir-lhe os Conselhos de Ministros como se fossem reais — embora ele adormecesse nas sessões, acreditando que ainda “governava”.
A revolução colonial não foi uma revolução clássica e bonita. A história da revolução portuguesa começa pela questão colonial e, depois, gira em torno do milhão de pessoas retornadas que chegam a Portugal.
Quando é criado o Movimento das Forças Armadas (MFA), constitui-se uma coordenadora com Saraiva de Carvalho, Victor Alves e Vasco Lourenço, todos de tendências ideológicas distintas.
Sim. Um ano antes, em Setembro de 1973, é criado o Movimento dos Capitães nas Forças Armadas, o MFA, em Viana do Alentejo. Foi liderado por várias pessoas e, em Março de 1974, tentaram um golpe de Estado nas Caldas da Rainha que fracassou.
Uma das figuras centrais da revolução foi António de Spínola, que é nomeado primeiro chefe de governo após o 25 de Abril de 1974. Tinha combatido os comunistas na Divisão Azul, na Alemanha, mas publicou um livro intitulado Portugal e o Futuro (publicado pela Anagrama em Espanha), em defesa da independência das colónias africanas por serem demasiado dispendiosas — o que lhe granjeou notoriedade antes do 25 de Abril.
Spínola considerava a acção dos militares um simples golpe de Estado militar destinado à reorganização da estrutura política, com ele próprio como figura central — uma renovação. No entanto, poucos dias depois, tornou-se evidente que o golpe libertara frustrações reprimidas durante décadas, quando milhares de portugueses saíram às ruas a celebrar a queda do regime e a exigir transformações mais profundas.
É uma personagem contraditória. Spínola não queria conceder a independência às colónias — queria salvar os móveis. Quero dizer, era um político de direita que se intrometeu naquele processo e acabou por permanecer no governo revolucionário.

As relações entre Espanha e Portugal estavam algo tensas devido ao caso do general nazi Humberto Delgado, que foi assassinado em 1965.
Delgado tinha-se apresentado às eleições, com o capitão Almeida envolvido no processo, como candidato presidencial contra o salazarista. Em 1965, foi detido pela polícia espanhola e entregue à portuguesa e, a um quilómetro da fronteira, foi morto — pegaram no cadáver e colocaram-no em território espanhol. O governo espanhol ficou bastante irritado: “Fizemos o trabalho todo, entregámo-lo e agora deixam-nos o morto — no sentido literal da palavra.” Houve uma espécie de crise séria, até com uma tentativa do governo de Franco de invadir Portugal.
O governo da ditadura não demorou muito a aceitar que já não contava com o apoio dos militares e, como não podia deixar de ser, parece que os americanos também estiveram envolvidos — ofereceram uma saída ao presidente para que fosse para o Brasil.
Como tudo decorreu com relativa calma, as organizações operárias iam ganhando cada vez mais poder, porque nesses meses estavam em greve por causas importantes. Havia um mal-estar generalizado entre a população devido à miséria.
A PIDE, a polícia política, opôs-se ao longo do dia 25 de Abril ou nos dias seguintes?
Foi precisamente nas sedes da polícia que ocorreram os confrontos mais intensos nesse dia. Ou seja, aí é que houve um problema grave, pois esteve-se mesmo à beira de haver mortos. Os militares actuaram muito bem e conseguiram intimidá-los.
E quanto à libertação de presos? Isso aconteceu de imediato ou levou alguns dias a decidir?
Os presos foram libertados de imediato — foi rápido. As forças políticas que sustentavam o governo não reagiram. Ou seja, a reestruturação do poder, que se fez em torno de Spínola, demorou vários meses, do 25 de Abril de 74 até Março de 75, num processo mergulhado em lutas internas entre as diversas facções do MFA.
E depois houve uma oposição brutal ao processo revolucionário por parte dos latifundiários do Norte do país, dos empresários e de todos os descolonizados expulsos das colónias em África.
Havia muito militar exausto de andar aos tiros em África, sem ver um futuro claro. Creio que, nesse sentido, não houve grande reacção por parte da opinião pública ligada aos proprietários — não tinham muito espaço de manobra, aquilo parecia quase cenas saídas da revolução russa: os camponeses a aparecerem todos com forquilhas. Mais tarde, organizam-se para preparar a contra-revolução.
Ao longo de dois anos, há lutas importantes entre a esquerda e a direita por todo o país. Há várias tentativas de novos golpes, tanto por parte da esquerda como da direita…
A mim interessa-me muito aquilo a que se chamou o “Poder Popular”, com objectivos voltados para a criação dos Conselhos Revolucionários de Trabalhadores, Soldados e Marinheiros, que pretendiam constituir sovietes como na Revolução Russa.
A influência russa é evidente através do Partido Comunista, que não tinha abandonado — ao contrário dos partidos eurocomunistas — a doutrina-ideologia que emanava da Rússia.
A ideia dos sovietes era isso mesmo, uma ideia — e bastante razoável. Sempre me agradou; a minha grande paixão foi sempre o Soviete de Petrogrado.
E depois há também uma disputa importante entre o modelo socialista moderado e os representantes das Forças Armadas mais radicais, como Otelo Saraiva de Carvalho. Fala-nos um pouco das diferentes posições ideológicas que existiam dentro do movimento das Forças Armadas… havia os mais revolucionários, os mais próximos do socialismo, e depois os da Frente Popular.
O movimento MFA divide-se em vários grupos ideológicos. Um grupo pró-comunista, liderado por Vasco Gonçalves; outro socialista, encabeçado por Vasco Lourenço e Melo Antunes; e um terceiro, denominado Poder Popular, com influências chinesas, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho em articulação com a Esquerda Socialista e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Na altura, a China e a URSS estavam politicamente em confronto.
Assisti ao primeiro Congresso Nacional de Trabalhadores, Soldados e Marinheiros — esses sim, queriam fazer a revolução.
Mas o povo cansou-se da revolução…
As pessoas também não perceberam bem do que se tratava aquilo. Não tinham uma consciência crítica e revolucionária e não vislumbravam um futuro claro. Prometeram-lhes que, regressando à ordem burguesa e capitalista, tudo lhes correria melhor.
É interessante notar que, logo após o levantamento militar, o governo da ditadura aceita rapidamente que já não conta com o apoio dos militares. Mas parece que os americanos estavam envolvidos — ofereceram uma saída aos governantes da ditadura para que fossem para o Brasil. Ou seja, foi tudo mais tranquilo do que aquilo que normalmente se espera em revoluções, onde morre muita gente. De facto, a ruptura dá-se com a fuga do presidente Marcelo Caetano, que ainda tentava controlar o governo para que não lhe fugisse das mãos e para que o país permanecesse colonial — embora isso já não fosse sustentável, porque o povo estava farto. As organizações operárias estavam a exercer uma pressão cada vez maior com greves sucessivas, e havia um mal-estar generalizado durante os primeiros meses da revolução…
É então que o processo revolucionário se detém. Dá-se o segundo golpe da direita, após uma sublevação dos latifundiários no Norte — o de 11 de Março de 1975.
O grupo dos comunistas do MFA reage, em aliança com o Partido Comunista, e leva a cabo outro golpe, para dar início à “Transição para o Socialismo”, com a promulgação de decretos do governo que colocam os sovietes em funcionamento.
Quanto tempo dura esta fase da revolução?
O processo revolucionário dura vários anos… nacionaliza-se a banca, as grandes empresas, as terras… os bairros auto-organizam-se. E aí surge um problema, porque em torno de um sector do MFA começa a organizar-se uma estrutura, chegando mesmo a criar-se um novo grupo-partido.
Uma revolução como a sonhada — com espírito revolucionário à la 1917 na Rússia ou em Cuba…
Sim, mas nunca chegou a consolidar-se verdadeiramente… Eu até simpatizava mais com o líder do PCP português, Álvaro Cunhal, do que com o do PCE em Espanha, Carrillo.
Carrillo pôs-se a negociar logo desde o início com os sucessores de Franco e tinha-se afastado das teses russas, ao lançar o chamado “eurocomunismo”. Ou seja, vendeu todos os militantes do partido que tinham morrido e lutado pela República. Durante este período, nos comícios das várias eleições, Carrillo apoiou o PS de Mário Soares e não o PCP de Álvaro Cunhal.
No fracasso da Revolução teve um papel importante a intervenção silenciosa do governo dos EUA e da CIA.
O governo norte-americano tinha aquela obsessão de que os militares portugueses se unissem aos espanhóis da União Militar Democrática (UMD). Os americanos estavam por trás de Carrillo, que tinham cooptado ainda antes de morrer Franco, assim como de Felipe González, para desenhar o futuro de Espanha na Europa.
Quando é que o povo português vira costas ao espírito revolucionário?
Otelo Saraiva de Carvalho era um tipo que sabia muito bem o que fazia, mas o factor mais importante foi que, no fim, havia demasiada divisão dentro do MFA — e isso terminou mal, porque o país, de repente, mudou e expressou essa mudança nas eleições. Mudou com esse milhão de votos vindos das colónias — militares, proprietários de fazendas, juntamente com os pequenos latifundiários do Norte de Portugal. A um país com 8 milhões de habitantes, junta-se mais um milhão contra a revolução. Além disso, havia as manobras da CIA, com muitos operacionais em Portugal e imensa propaganda a minar o processo revolucionário.
Na verdade, é semelhante ao que aconteceu no Estado espanhol, onde os comunistas — que provavelmente foram os que mais impulsionaram a mudança e lutaram pela revolução — acabaram por obter menos votos do que os socialistas.
Nas primeiras eleições que se realizam, já o PS sai com mais votos.
A minha teoria é simples. Há um momento-chave no final dos anos 70, quando Khomeini vence no Irão. A estratégia norte-americana, em caso de guerra com a Rússia, baseava-se na ideia de que o conflito teria de partir do Irão para alcançar a URSS.
O problema, depois, era que os aviões tinham de descolar de bases espanholas, bombardear Moscovo e regressar — e, na altura, não tinham autonomia de voo suficiente. A partir do Irão, no entanto, alcançavam toda a zona do Cáucaso, onde está o petróleo, atingiam parcialmente a Ucrânia, que era o celeiro de trigo, e também chegavam a Moscovo.
E é aí que os Estados Unidos percebem que a Península Ibérica é extremamente estratégica dentro da sua concepção do mundo imperialista.
Ao mesmo tempo, muda o governo dos EUA e chega Gerald Ford, do Partido Democrata, e então os do Pentágono e da CIA reformulam toda a política externa a nível global.
Também muda a política na Europa.
Montam uma espécie de eixo conveniente. Intervieram nos governos da Grécia, em Itália — com dois golpes de Estado — e em Espanha, que já estava ao serviço dos Estados Unidos. Mas dentro do próprio projecto norte-americano havia a necessidade de que o Estado espanhol se integrasse na NATO. Segundo conta Marcelino Oreja, que era então ministro dos Negócios Estrangeiros, foi ele quem recebeu a ordem directamente da embaixada norte-americana: era preciso entrar na NATO. Mas Adolfo Suárez recusou e, pouco depois, dá-se a sua demissão e o golpe de 23 de Fevereiro.
Sim, os americanos e a CIA estiveram muito presentes em ambos os países, tentando impedir que a Revolução se desenvolvesse tanto em Portugal como em Espanha.
Chegou mesmo a haver um plano do governo dos EUA, nos dias que se seguiram ao 25 de Abril… estavam dispostos a bombardear Lisboa. Mas os governos europeus — França, Alemanha e Itália — intervieram para encontrar outra solução: cooptar figuras dos partidos socialistas de Portugal e Espanha através de fundações e dos sindicatos, e injectar muito dinheiro nos partidos socialistas. E acontece o episódio de Suresnes, para favorecer Felipe González — tal como se fez com Mário Soares. Cheguei mesmo a conhecer o tipo que trazia o dinheiro para os socialistas em malas.
Estás a dizer-me que compraram Felipe González, que o cooptaram.
Tecnicamente, sim. Ou seja, os americanos disseram que não queriam saber do secretário sucessório — que, à partida, devia ter sido Nicolás Redondo, secretário do Partido Socialista no exílio — e colocaram como responsável absoluto Enrique Múgica, que era quem tinha a confiança dos Estados Unidos. No congresso de Suresnes, com o aval do governo do final da ditadura, sob pressão do governo norte-americano, foi eleito Felipe González.
Não há muita investigação sobre as intervenções da CIA na Europa durante esses anos de meados da década de 70.
Algumas pessoas escreveram sobre o assunto, como Joan E. Garcés, Alfredo Grimaldos ou Rui Mauro — que foi funcionário na embaixada dos EUA em Lisboa, em 1974.
Resumindo: por que razão acaba a Revolução?
Principalmente porque se concede a independência às colónias africanas — Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique — e regressam cerca de um milhão e duzentas mil pessoas, que votam sucessivamente à direita nas eleições. Acresce a divisão ideológica no seio do MFA; a sublevação dos latifundiários do Norte, que se opõem à revolução e avançam com um golpe de Estado; a intervenção dos EUA e da CIA, com vastos financiamentos para apoiar a direita, e a pressão das social-democracias europeias que, através de fundações e sindicatos, injectam também muito dinheiro a favor do Partido Socialista português — que se opõe a essa revolução de cariz comunista, próxima da URSS.
Manolo Revuelta
Manolo Revuelta trabalhou na Rádio Baviera, da Alemanha, em revistas como a Posible, Cuadernos para el Diálogo e Interviú; na Argentina, esteve ligado ao Sindicato dos Editores Gráficos. Foi responsável pela edição espanhola do Le Monde Diplomatique, fundador e responsável pela secção internacional do jornal Liberación… Publicou vários livros sobre Portugal, sobre o cinema dos anos 70 e sobre a denúncia da prisão de Herrera de la Mancha.
Publicado originalmente no jornal anarco-sindicalista espanhol Rojo y Negro nº 400, Maio de 2025.