Dave Foreman proferiu este discurso em 1987, no Grand Canyon Round River Rendezvous. Escolhemos publicá-lo como um lembrete daquilo que é — e sempre foi — o propósito da Earth First!. Foreman apresenta aqui uma declaração importante, intensa e apaixonada — e de especial relevância para esta edição do jornal.
Esta é uma maravilhosa celebração da diversidade. Já lá vão sete anos desde que a Earth First! foi fundada, e sei que, para o Howie, o Mike, o Bart Koehler e para mim, por vezes parece que passou muito mais tempo, e por vezes muito menos. Muita coisa muda em sete anos. E muita coisa acontece em sete anos. Mas sete anos é uma excelente altura para avaliar, para olharmos para onde estamos a ir.
Tenho vindo a pensar, há muito tempo, em algumas das coisas que direi esta noite — pensando que são necessárias. Mas, depois de ver este encontro, não sei se ainda o são, pois penso que estamos a ser coesos, que estamos a ser firmes, que não estamos a vacilar, que não estamos a transformar-nos noutra Sierra Club, que não nos estamos a tornar apenas mais um clube de debates.
Mas, apesar disso, quando começámos a Earth First!, fá-lo-íamos por razões muito concretas, com ideias muito definidas, com parâmetros bem marcados. A Earth First! é um movimento ambiental radical, mas não somos a totalidade do movimento ambiental radical. Nem somos a totalidade do movimento ecologista. Somos diversos, mas não suficientemente vastos para abarcar tudo em demasiado. Pois quem se divide em demasia, acaba por cair.
Penso que é bom lembrarmo-nos exactamente do propósito original da Earth First! e das ideias que a inspiraram. Porque existem leis naturais que operam nas sociedades humanas e nas instituições, leis essas que tendem sempre a moderar, a cooptar, a suavizar, a afastar-te da tua visão, e a fazer-te pensar mais na mecânica do que no sonho, no desfiladeiro, na floresta, no urso-pardo, no oceano profundo. E creio que seria útil revisitar algumas dessas ideias que, a meu ver, representam o verdadeiro consenso da Earth First! — ideias essas que certamente nortearam a sua fundação, e que, acredito, continuam a guiar-nos hoje; ideias que realmente nos dizem se alguém é ou não da Earth First!. E, se alguém não for, tudo bem — há lugar para todo o tipo de defensores da Terra nesta luta.
Mas a Earth First! é uma sociedade humana distinta. Não somos um clube de debate, não somos um grupo político, não somos pessoas a tentar desenvolver tecnologias alternativas; somos uma sociedade guerreira muito específica. Há loucos — e loucas — a tentar destruir tudo o que é belo, tudo o que está certo, tudo o que é selvagem neste planeta. E, deste planeta, da Terra, surgiu uma sociedade de guerreiros — mulheres e homens que cravam as suas lanças no solo e tomam posição. E isso é a Earth First!. E há espaço para muitos outros tipos de grupos. Mas a Earth First! é PRIMEIRO PELA TERRA!
Sem qualquer ordem particular, excepto a primeira e a última, que são, provavelmente, duas das mais importantes.
A primeira é simplesmente: a Terra primeiro! Acreditamos que, em cada decisão, em cada acto e em cada pensamento, a consideração pela Terra deve vir em primeiro lugar. Como disse Aldo Leopold: "Algo está certo quando tende a promover a integridade, a estabilidade e a beleza dos sistemas bióticos. Algo está errado quando tende ao contrário."
Podes guardar todos os teus sistemas de ética, todas as tuas regras de ouro, todos os teus certos e errados — esta é a única que importa. Esta é a que tem verdadeiro significado. A Terra primeiro! Não é "As Pessoas Primeiro", não é "A General Motors Primeiro", não é "O Governo dos Estados Unidos Primeiro", não é "Poder Popular" em primeiro lugar — mas sim a Terra primeiro! Outro princípio é que não estamos interessados em credibilidade ou legitimidade junto da quadrilha de bandidos que dirige este planeta.
Não nos importa se o senador James McClure ou o Secretário do Interior Donald Hodel não nos querem receber nos seus gabinetes. Porque eles é que não têm credibilidade connosco. São só uma cambada de vadios de viela, com poder, que governam o mundo, sem qualquer direito moral ou ético de controlar as nossas vidas. Então, por que haveríamos nós de querer ser considerados legítimos? Ou credíveis? Por que razão nos haveríamos de preocupar com o facto de um congressista ou um administrador florestal condescenderem em falar connosco? Não lhes reconhecemos qualquer credibilidade.
Portanto, não nos deixemos arrastar por essa armadilha. Estamos do lado certo. Se eles quiserem estar do lado certo, que venham até nós e tentem conquistar credibilidade e legitimidade connosco. Mais uma coisa: estamos a apresentar um desafio e uma crítica fundamentais ao industrialismo, ao "progresso" e à tecnologia. Somos luditas? Claro que somos luditas! Gostamos de ver uma escavadora a arder?ADORAMOS ver uma escavadora a arder! Não houve progresso real neste planeta nos últimos 16.000 anos. Progresso autêntico? A única tecnologia decente, a única ferramenta realmente útil desenvolvida desde o atlatl, é a chave de fendas clandestina — o monkeywrench. Portanto, não te envergonhes, nem te intimides, nem te sintas constrangido quando alguém te chamar ludita, ou te atacar por criticares a tecnologia.
Somos anti-tecnologia. Alguém tem de ser anti-tecnologia.
Sentimos também que a lógica linear e a racionalidade não são a única forma de pensar. A única utilidade que vejo na aritmética é contar quantas aves já vi na vida ou calcular quantas cervejas ainda tenho no frigorífico da carrinha. Existe uma forma muito mais vasta de pensamento para além deste grande hemisfério esquerdo aqui em cima. É o pensamento emocional, intuitivo e — no nosso mundo distorcido e sexista — o pensamento tido por feminino: aquele com que precisamos de nos reconectar, pois é o pensamento da própria Terra. Não é só esta parte intuitiva aqui exposta, não é só o nosso córtex reptiliano — é o desfiladeiro ali fora que está também a pensar, é uma grande mente. É o céu, são as nuvens, são as árvores que estão a pensar. Não podemos entrar por aí e tentar resolver tudo com argumentos racionais, com factos e números, com economia, com leis. Porque essas coisas não contam. O que conta é a sabedoria que vem das árvores. A paixão que sentes no coração. Somos emocionais — e orgulhamo-nos disso. Às vezes somos irracionais — e orgulhamo-nos disso. Às vezes somos místicos; por vezes ligamo-nos a algo maior do que nós próprios. E não precisamos da calculadora de bolso para o fazer. Por isso, quando te chamarem irracional, não te preocupes. Somos irracionais — e com orgulho.
Creio que também reconhecemos que, apesar de amarmos este grupo de trezentas ou quatrocentas pessoas aqui reunidas, apesar de amarmos todos os pequenos lobos, ainda somos gente a mais neste planeta. A sobrepopulação é um problema. Amanhã, 11 de Julho, foi assinalado como o dia em que nascerá a pessoa número cinco mil milhões. Sim, há muitos problemas aqui na Terra; problemas causados pelos humanos.
Mas um dos maiores é mesmo este: há demasiados de nós.
Outro dos nossos princípios é que não fazemos parte do espectro político. Estamos a "subverter o paradigma dominante". Somos contra todas essas heresias platónicas: o cristianismo, o marxismo, o humanismo secular. Não somos de esquerda, nem de direita, nem do centro, nem sequer estamos à frente ou atrás. Nem sequer estamos a jogar esse jogo. Temos de ir além das ideias políticas cansadas — de esquerda, de direita ou de qualquer outra. Estamos a construir algo novo. E, ao mesmo tempo, algo com 16.000 anos de antiguidade.
Outro princípio — e um dos mais difíceis para nós, por vezes — é não colocar nenhum grupo humano num pedestal. Nenhum grupo étnico, nenhuma classe, nenhum grupo político. É muito comum — e até elegante, às vezes — colocar o proletariado rural num pedestal. É o "lenhador simpático", o "companheiro nobre" explorado pela empresa. Ou colocar o nosso próprio grupo num pedestal. Mas somos todos seres humanos. E é racista, é classista, esperar mais de um grupo do que de outro — ou dar mais tréguas a um do que a outro. Estamos todos neste planeta, todos a causar problemas — e todos temos de trabalhar juntos.
Outro princípio — e um dos mais, mais fundamentais, o verdadeiro núcleo da nossa filosofia, creio eu — é a ideia de biocentrismo, ou de valor intrínseco. A ideia de que todas as coisas têm valor em si mesmas, de que são importantes por si. E ligado a isto está o princípio de que os seres humanos não são a medida de todas as coisas. Não se determina o valor de algo pelo bem que possa trazer aos seres humanos. As coisas existem por si, e não pelos humanos. Nem vale a pena discutir esta ideia — porque, penso eu, é essa a motivação comum a todos nós: o reconhecimento do valor intrínseco da vida.
Outro princípio é que a natureza selvagem é o mundo real. As caixas de betão em que vivemos, as auto-estradas, as cidades, até as zonas rurais — não são o mundo real. O teu emprego em Los Angeles, ou em Nova Iorque, ou em Bozeman — não é o mundo real. O que é o mundo real? É um ecossistema selvagem e em funcionamento. Está aqui fora, no palco da evolução. A natureza selvagem é a essência de tudo aquilo que procuramos. Diversidade natural. Nós não somos um grupo ambientalista. Os grupos ambientalistas preocupam-se com os riscos ambientais para os seres humanos. Preocupam-se com ar puro e água limpa para benefício das pessoas, e depois perguntam-nos porque razão estamos tão obcecados com algo tão irrelevante e tangencial como a natureza selvagem. Algo tão elitista como a natureza selvagem. Pois bem — posso dizer-te que um esquilo Kaibab não acha que a natureza selvagem é elitista. A natureza selvagem é a essência de tudo. É o mundo real. E o nosso objectivo é que chegue o dia em que não exista, em nenhuma língua do mundo, uma palavra para "natureza selvagem" — porque tudo será natureza selvagem, e será simplesmente o que é.
A Earth First! não é uma organização de cadeirões. Não se pode ser um Earth First! de sofá. Earth First! é acção! Somos uma sociedade de guerreiros. Sim, mantemos discussões e debates filosóficos — no Earth First! Journal, nos encontros, e por todo o lado — mas o propósito dessas discussões é ajudar-nos a agir! Não é só para ficarmos a falar entre nós. Na Earth First!, quando falamos de filosofia, é para entendermos como e porquê devemos enfiar a chave inglesa nos dentes da engrenagem. Acção!
Acção de qualquer tipo. E que a nossa acção defina os contornos mais subtis da nossa filosofia. Não temos de compreender tudo ao pormenor. Não precisamos de ser todos puros. Não precisamos de ser todos santos para fazer algo por este planeta. Não temos de ter a filosofia afinada até ao último detalhe. Há espaço para a inconsistência. Por isso, faz alguma coisa!
Também temos sentido de humor. Divertimo-nos. Olha à tua volta — para a história do mundo industrial moderno, dos movimentos revolucionários, dos grupos radicais. Achas que algum deles se divertiu tanto como a Earth First!?
Temos de nos divertir. Temos de estar cheios de alegria. Estamos a viver na época de maior desespero que este planeta já conheceu. Mas mesmo assim, o nosso coração tem de falar com amor, paixão e alegria. Olha para estes pinheiros ponderosa, olha para o ácer. Estão a gritar — de alegria! E é com essa alegria que também nós temos de gritar. Quer estejamos sentados na prisão, ou de pé diante das escavadoras, ou a escrever cartas, ou esmagados pela opressão do fumo urbano, a nossa voz tem de vibrar com alegria. Temos de rir de nós próprios. Não nos podemos levar demasiado a sério. Temos de ser capazes de rir de nós e até de sermos irreverentes para com as nossas ideias mais sagradas.
E, por fim, o último princípio — e possivelmente o mais polémico — é, a meu ver, uma espécie de teste decisivo: na Earth First!, embora nem todos pratiquemos a sabotagem, ou sequer a defendamos activamente, não a condenamos. Reconhecemos a sabotagem como uma ferramenta legítima de autodefesa para alguns membros da Earth First!. Porque a sabotagem simboliza, a meu ver, a nossa estratégia fundamental para lidar com esta máquina insana. E essa estratégia assenta no reconhecimento de que o bom e velho reformismo progressista não vai funcionar com este sistema. Designar uma área como reserva natural, por exemplo, não é uma reforma progressista — é sabotagem. A Lei da Natureza de 1964 foi um acto de sabotagem — porque reconheceu que a Guarda Florestal e a Guarda dos Parques Florestais eram, por natureza, incapazes de proteger os valores da natureza selvagem. Todo o seu fundamento, toda a sua motivação, todo o seu impulso quase religioso era o do desenvolvimento. Gifford Pinchot disse: “O primeiro princípio da conservação é o desenvolvimento.” E isto continua. A Lei da Natureza de 1964 foi como pôr algemas na Guarda Florestal e na Guarda dos Parques Florestais, para que não pudessem proteger essas zonas selvagens.
Essa é a nossa abordagem política: a sabotagem, o acto de travar, de impedir — uma espécie de aikido político, em que se aproveita a energia da máquina massiva para a virar contra si própria. É pegar na força do minério de ferro de uma escavadora e libertá-lo, para que possa regressar à Terra. É pegar na loucura do plano florestal dos Serviços Florestais e torcê-lo contra o próprio Serviço Florestal. Sim, apresentamos recursos judiciais, movemos processos, escrevemos cartas, propomos zonas de protecção natural — mas nem por um instante nos iludimos achando que estamos a fazer reformismos progressistas. Estamos a enfiar a chave inglesa no sistema. Estamos a abrandá-lo. Estamos a emperrá-lo. Estamos a dar-lhe um pontapé na cara.
E por que fazemos tudo isto? Por que razão temos estes princípios dentro desta tribo? É porque somos a geração mais importante de seres humanos que alguma vez pisou este planeta. Hoje, neste momento — em 1987 — vivemos a época mais crítica em três mil e quinhentos milhões de anos de evolução orgânica na Terra. Não estamos a tentar salvar parques para caminhadas. Não estamos a tentar limpar o ar para termos vistas bonitas do Grand Canyon. Estamos a tentar ajudar a evolução a continuar.
Alguns dos biólogos e ecologistas mais respeitados e famosos do mundo estão hoje a dizer coisas que me gelam o sangue. Se eu não me embebedasse de vez em quando, se não tivesse sentido de humor, já teria atado dinamite ao corpo e descido até à barragem de Glen Canyon.
Estamos a viver numa era de horror esmagador. Michael Soulé, fundador da Sociedade de Biologia da Conservação, disse recentemente que a evolução dos vertebrados pode ter chegado ao fim. Outros afirmaram que um terço de todas as espécies pode extinguir-se em vinte anos, que, no virar do século, os únicos grandes mamíferos que restarão serão aqueles que escolhermos deixar existir. Deixa isso assentar. Meu Deus! Não temos tempo para vidas normais. Não temos tempo para fingir que tudo continua como dantes.
É tempo de uma sociedade de guerreiros erguer-se da própria Terra, e de nos colocarmos diante da máquina infernal da destruição — de sermos anticorpos contra a praga humana que está a devastar este planeta precioso e belo. Não quero viver num mundo sem rinocerontes. Não quero viver num mundo sem pumas nas montanhas da Califórnia. É para isso que serve a minha vida: para a lançar nas engrenagens deste “progresso” demente — e para lutar por ela.
É para isso que serve uma sociedade de guerreiros. Há espaço para outras tarefas — para desenvolver tecnologias apropriadas, formas alternativas de viver — para que, quando este sistema insano se autodestruir, possamos ter uma sociedade que lhe sobreviva. Mas também há necessidade de guerreiros, e a Earth First! é feita de guerreiros! E se não és um guerreiro, então sugiro que procures outro grupo. E não estou a criticar-te, porque há lugar para outros grupos e outros métodos. Mas na Earth First!, temos de ser guerreiros acima de tudo. E não há vida mais gloriosa do que a vida de um guerreiro em defesa do que é justo.
O meu coração enche-se de ânimo e alegria ao ver os guerreiros reunidos aqui esta semana — as mulheres, os homens, as crianças, e também nós, os que já começamos a ficar grisalhos. Somos todos guerreiros, todos combatentes, todos dedicados a algo muito maior, mais vasto e mais belo do que nós próprios. E essa é, creio eu, a essência de ser guerreiro: o reconhecimento de que, na tua vida, o mais importante não é a tua vida. Como disse Martin Luther King: "Se um ser humano não tem algo pelo qual esteja disposto a morrer, então não merece viver." São palavras duras — mas são palavras verdadeiras. E lamento por aqueles que vivem só para o salário, para o vídeo, para a sua pequena existência.
Saúdo-vos, celebro-vos, amo-vos — por serem meus camaradas nesta luta. A Terra Primeiro!
Dave Foreman
Publicado originalmente na revista Earth First! Vol. XIII, Nº 2 de 1992.