"Passou-nos por cima..." – os vassalos europeus ensaiam a revolta
Após a Conferência de Segurança de Munique e a decisão de Donald Trump de iniciar negociações directas com a Rússia, sem a Ucrânia e sem os restantes europeus, ergue-se entre os vassalos europeus um grande clamor de protesto. "Passou-nos por cima!" – isto não pode ser verdade!
Será que os pobres vassalos ainda não perceberam que, embora pudessem participar na guerra na Ucrânia, nunca tiveram qualquer poder de decisão? De facto, prometeram a Gorbachev, juntamente com os EUA, que a NATO não se expandiria para Leste – mas a indústria armamentista norte-americana viu as coisas de outra forma e impôs essa expansão. Graças a George Friedman, a Zbigniew Brzeziński e até a Henry Kissinger, sabemos que a intenção dos EUA foi sempre trazer a Ucrânia para a sua esfera de influência. Vários políticos norte-americanos, de George Kennan ao actual director da CIA, William Burns, alertaram repetidamente que uma tentativa de colocar tropas e mísseis dos EUA na Ucrânia inevitavelmente levaria à guerra. Mas, ignorando os seus próprios interesses geoestratégicos – nomeadamente, o de não empurrar a Rússia para os braços da China – os EUA continuaram a armar a Ucrânia, a minar os Acordos de Minsk e a financiar o golpe de Estado na Praça Maidan em 2014, que deu origem à guerra na Ucrânia – como o próprio Donald Trump correctamente reconheceu.
Assim como Trump hoje, Victoria Nuland já tinha resumido, naquele famoso telefonema interceptado, a postura dos EUA em relação à Europa numa simples frase: "Fuck the EU".
Os vassalos europeus deviam ter percebido este posicionamentos por parte dos EUA, o mais tardar, quando os norte-americanos sabotaram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 – tal como Biden tinha anunciado que aconteceria –, ou quando deixaram a Ucrânia fazê-lo, como os serviços secretos divulgaram para criar uma falsa pista.
Até hoje, os europeus – principalmente os alemães – ainda não foram capazes de reconhecer que a destruição da sua mais importante via de fornecimento energético, realizada passando-lhes por cima, é a prova de que os EUA os vêem como "vassalos tributários" (Brzeziński) e que não têm qualquer intenção de os consultar quando se trata dos seus próprios interesses geoestratégicos. Com a guerra na Ucrânia, os EUA alcançaram, pelo menos em parte, os seus objectivos estratégicos: o gás russo foi substituído pelo caríssimo gás de fracking dos EUA; a indústria armamentista norte-americana lucrou milhares de milhões com as encomendas europeias; e o objectivo de evitar a aliança entre a tecnologia alemã e os recursos naturais russos ficou garantido por muitos anos.
Ao contrário do demente Biden, Trump percebeu que os EUA não podem continuar a financiar simultaneamente a guerra na Ucrânia, o conflito de Israel contra os palestinianos e, ao mesmo tempo, concentrar-se no seu principal rival: a China. O lema America First! exige, no interesse geoestratégico dos EUA, o fim da guerra na Ucrânia e a normalização progressiva das relações com a Rússia, de modo a permitir que os Estados Unidos se concentrem na contenção da China. Aos europeus, resta apenas um lugar na mesa dos "miúdos" – e a obrigação de financiar a reconstrução da Ucrânia como vassalos tributários que são. Voz activa neste processo? Nenhuma.
A geoestratégia dos EUA sempre foi clara: America First e Fuck the EU.
A Europa precisa aprender a assumir a sua própria defesa. Na era nuclear, só há segurança comum incluindo a Rússia.
Já passou da hora de adoptar medidas de confiança, um cessar-fogo e negociações de paz.
A política de atenuação, ou seja, da retirada mútua de tropas e mísseis, deve ser colocada em prática.
O desarmamento e o controle dos armamentos devem voltar a ser pilares da política externa europeia.
A política da atenuação, que garantiu décadas de paz na Europa, deve ser retomada.
A visão de Gorbachev de uma Casa Comum Europeia é o nosso futuro.
Oskar Lafontaine
Ex-líder do SPD e co-fundador do partido A Esquerda (Die Linke), conhecido pela sua oposição às políticas neoliberais e ao militarismo europeu.