A seguinte entrevista foi originalmente publicada na edição de Outubro de 1973 da LIFESTYLE! (uma publicação irmã, anterior e com uma distribuição muito inferior, da MOTHER EARTH NEWS).
A entrevista foi reimpressa a pedido de John Shuttleworth, conforme explicado neste artigo porque 1º muito poucas pessoas leram o artigo da LIFESTYLE! e 2º muitos dos “ecologistas” e “pioneiros de estilos de vida alternativos” actuais não fazem a menor ideia do que terá realmente de ser a sociedade de baixo consumo energético e auto-suficiente do futuro, se o planeta tiver alguma hipótese de sobreviver.
Felizmente para todos nós, um punhado de filósofos e pensadores e criadores práticos lúcidos têm uma noção fundamentada das tremendas — e necessárias — mudanças nos padrões de vida que todos nós teremos de fazer, se a Terra for para perdurar. Peter van Dresser é um desses filósofos, pensadores e criadores... e muitos mais dos cidadãos de hoje, principalmente aqueles que se consideram “pioneiros ambientais” de um tipo ou de outro, fariam bem em estudar o trabalho deste homem.
Adeptos da energia solar, da energia eólica, do humanitarismo, da ecologia, dos estilos de vida alternativos e excêntricos de [2025].. tomem nota: vocês não inventaram — como às vezes parecem acreditar — todas essas áreas de focos interessantes de um dia para o outro sozinhos. Outros homens e mulheres — e ocasionalmente melhores — tentaram "juntar tudo" muito antes de se tornar moda (ou mesmo possível) fazê-lo.
Um dos pioneiros foi Peter van Dresser, um homem com um interesse vitalício em tecnologia e nas suas aplicações dentro do quadro de uma consciência ecológica. Em vários momentos da sua vida, o Sr. van Dresser foi — entre outras coisas — escritor de ficção científica, planeador regional e urbano profissional, membro do movimento Descentralista dos anos 30, pioneiro no desenvolvimento de motores de foguetes e figura completamente afastada da nossa sociedade militar-industrial.
Em 1949, van Dresser mudou-se para uma pequena aldeia nas montanhas do norte do Novo México. Lá, abriu um pequeno restaurante, projectou e construiu casas movidas a energia solar e eólica e começou a trabalhar a fundo pelo desenvolvimento de comunidades descentralizadas e auto-suficientes que "utilizam tecnologia sofisticada para produzir um alto padrão de vida, mas existem em harmonia com o mundo natural ao seu redor".
A visão de Peter van Dresser sobre a comunidade do futuro pode soar utópica para alguns... mas baseia-se em puro senso comum e numa vida de experiência. As ideias de Peter, detalhadas no seu livro, Landscape for Humans, tiveram uma influência profunda numa geração inteira de experimentadores e designers da contracultura.
James B. DeKorne — um entusiasta ávido da energia eólica, do movimento do regresso à terra e de estilos de vida alternativos por direito próprio — visitou recentemente Peter van Dresser na sua casa nas montanhas do norte do Novo México. A entrevista seguinte é retirada das gravações da conversa entre ambos.
Peter, você defendia uma abordagem ecologicamente sensata à vida muito antes de o termo "ecologia" se tornar um cliché… falava e escrevia sobre este tema já nos anos trinta. Porquê? Como é que se imiscuiu tanto no raciocínio ambiental quase 40 anos antes deste ser visto como correcto?
Bem, na minha juventude, tinha uma espécie de reacção instintiva contra o sistema... contra os excessos da industrialização e a consequente desumanização da vida. Na minha adolescência, o meu pai levava-nos em longas viagens de campismo durante o Verão para a Nova Inglaterra ou para o Canadá. A Nova Inglaterra e o Canadá eram muito mais rústicos naquela época e tive longas exposições a uma existência idílica de Verão no campo. Tínhamos contacto com aldeias e vilas, e era sempre bastante traumático — depois de três ou quatro meses de tal experiência — voltar para a cidade de Nova Iorque.
Creio que foi isso que me fez ganhar consciência da qualidade opressiva do urbanismo excessivo tão cedo, e todos os meus devaneios eram sobre como não ter que viver dessa forma. Como jovem, tinha os planos habituais de navegar pelo mundo e de me mudar para as Ilhas do Pacífico Sul, o que muita gente pensa em fazer (risos). Cheguei até a adquirir um barco e vivi neste durante vários anos.
Onde foi isso?
Bem, começámos no Maine e acabámos na Flórida. Foi um período muito agradável, e aprendi muito a viver a bordo daquele iate de 32 pés.
Reparei que as casas que construiu desde então têm uma certa qualidade náutica. Utiliza cada centímetro quadrado, e tudo tem o seu lugar.
(Risos). Bem, suponho que viver num barco teve esse efeito em mim. Aprendi várias habilidades... carpintaria e mecânica, como armazenar adequadamente os mantimentos e esse tipo de coisas. Em geral, a gestão de uma pequena entidade económica exige muita previsão e planeamento. Toda a operação obriga-te por vezes a entrar em situações difíceis... ensina-te a operar uma microeconomia.
Isso soa como um bom treino para viver de forma ecológica...
Absolutamente. Requer que te ajustes aos ciclos naturais: o que as marés estão a fazer, o que esperar em termos de tempo nos próximos dias, etc.
Quando não estava a navegar, onde vivia?
Na Flórida, encontrávamos simplesmente lugares para atracar ao longo do rio. Vivíamos uma espécie de vida nómada ao estilo polinésio naquela época e analisávamos muitos dos valores que estão agora a ser experimentados.
Por exemplo?
Bem, durante anos nunca íamos para a cama nas noites de Lua cheia. Em vez disso, íamos para a praia e passávamos a noite inteira lá. Examinávamos as experiências espontâneas da Natureza... mas era tudo muito mais simples do que agora.
Nessa época não consumíamos droga. Não havia necessidade de drogas. Conseguíamos ter um grande prazer psicadélico sem estas... só a cantar e a fazer uma fogueira na praia, observando sereno a chegar, a nadar, a contar histórias, a tocar música, esse tipo de coisas. Quanto a romper com a sociedade e viver uma vida orientada para a natureza, conseguimos fazê-lo... mas não tinha todo este tom de ansiedade, desafio e raiva que actualmente parece fazer parte de tudo isto.
Ainda existem lugares assim na Flórida... onde se pode manter um barco quase de graça?
Não, não. Isto foi durante os anos 30... o período quiescente entre o boom dos anos 20 e a expansão económica que veio mais tarde com a Segunda Guerra Mundial. Vivíamos a um ou dois quilómetros a Norte de Forte Lauderdale e as praias ao longo da costa estavam completamente desertas. Havia quilómetros de infraestruturas abandonadas... pavimentos a desmoronar-se e candeeiros de rua que nunca se acendiam.
Uma espécie de zona despovoada...
De certo modo. Mas ainda restavam bastantes vestígios do antigo período de povoamento anterior à guerra... quando as pessoas construíam casas agradáveis de pedra e pinho nativo. O boom dos anos 20 tinha-se dissipado, mas podia ver-se, à medida que a guerra se aproximava, o segundo boom a começar a formar-se.
Gostaria de voltar à Flórida?
Não, não tenho qualquer desejo de voltar lá agora. Para mim, a Flórida está completamente perdida... arruinada.
Poderia especular um pouco sobre o boom imobiliário que está agora em curso aqui no Novo México? Acha que esta região será violada como foi a Flórida?
Está bem encaminhado, creio eu... mais uma vez, a menos que toda a nossa orientação económica mude, vão surgir sempre estas pressões enormes por projectos de recreio e das chamadas “diversões de lazer” e todo esse tipo de coisas. A questão é que, à medida que tornamos vastas áreas metropolitanas inabitáveis, as pessoas que vivem nessas cidades são simplesmente empurradas, desesperadamente, para zonas de “diversão” sintética. Existem, naturalmente, enormes interesses financeiros prontos a explorar tudo isto.
Ouvi dizer que a (nome da firma de desenvolvimento local) faliu.
Sim, essa é uma boa notícia, mas, no geral, tendo a ser cauteloso e pessimista quanto a isso. O desenvolvimento será, provavelmente, retomado por outro consórcio dentro de alguns anos.
O mais triste neste tipo de coisas, penso eu, é que a cultura local não tem uma resistência forte contra as mesmas. Os velhos valores são, sobretudo, latentes e passivos, na minha observação, e as pessoas que os incorporam não estão suficientemente convencidas do seu valor para lutarem por eles. Foi-lhes dito, durante muitos anos, que esses valores antigos são obsoletos e inadequados, tanto que hoje se sentem muito tímidas em relação a estes valores e não lutam por eles. Isto é bastante triste porque, embora a cultura local, no fundo, simpatize com o que estamos aqui a falar, não tem a resistência — a força de luta — necessária para se erguer contra aquilo que parece ser uma vaga inevitável de desenvolvimento.
Bem, e quanto ao movimento chicano... La Raza, os Boinas Castanhas? Pensas que estão a caminhar no sentido de uma aproximação aos antigos valores, ou estão a dirigir-se para uma modificação do sistema de valores anglo-industrial?
Creio que há alguns elementos do movimento chicano que, de facto, incorporam alguns desses antigos valores; penso que os conceitos originais de Reis Tijerina, as “Pueblas Unidas”, etc., estavam bastante bem relacionados com essas ideias... mas tornou-se numa voz minoritária. O novo movimento, mais militante, é — para mim — um movimento direccionado para o poder político que, no essencial, não visualiza qualquer mudança real na economia... só defende que as pessoas de língua espanhola deviam ter uma fatia maior do mesmo bolo. Isto, para mim, não é muito satisfatório... significa mais do mesmo — uma continuação do saque da terra — só que feito em espanhol em vez de em inglês.
Para aqueles que não estão familiarizados com o Novo México, poderia falar um pouco sobre os antigos valores que encontrou aqui preservados? Em que diferem dos que se encontram noutras regiões do país e porque são importantes?
Bem, a região de que falo é um enclave montanhoso no norte do Novo México e no sul do Colorado. Foi povoada por colonos espanhóis nos séculos XVII, XVIII e no início do século XIX... durante um período em que uma economia de aldeia local tinha de ser a economia dominante. Nessa época, naturalmente, não existia a tecnologia de transporte e de energia em grande escala que temos hoje... e o padrão de povoamento desta área — que tem aproximadamente o tamanho da Suíça — era o de uma economia de aldeia baseada na terra.
Durante séculos, esta parte da nação esteve isolada do progresso geral dos Estados Unidos, de modo que o seu modo de vida antigo e as instituições sociais a ele associadas — mantiveram-se bem vivas até ao século XX. Tal padrão ainda caracteriza, em certa medida, a região, contrastando fortemente com o modelo de exploração pecuária comercial ao estilo do Texas, que começou a penetrar na área na segunda metade do século XIX.
Tudo isto, evidentemente, implica uma série de valores humanos... um modo de vida mais lento, mais ajustado aos ciclos naturais e mais consciente da terra e dos processos biológicos. Tal resulta, por fim, em relações mais humanas entre as pessoas.
O meu sentimento é que os elementos essenciais deste antigo padrão continuam a ser válidos, apesar da tendência, entre sociólogos e reformadores “progressistas” em geral, de apelidarem esta região de problemática e de dizerem que estes valores estão obsoletos e devem ser substituídos pelos ideais urbanos. Creio que chegámos à altura de perceber que tal não é totalmente verdade. Muitos componentes deste sistema de valores são ingredientes necessários para uma verdadeira sociedade futura, adaptada ecologicamente. Podemos construir sobre esses valores de forma construtiva, em vez de os considerarmos obsoletos e os descartarmos.
Essa ideia de que está a falar — a necessidade de comunidades auto-suficientes baseadas na terra — foi um tema central do movimento Descentralista dos anos trinta. Uma vez que esteve envolvido nesse movimento, poderia contar-nos algo sobre o mesmo?
Oh, sim. É algo que merecia ser mais conhecido. Nesse período, que foi naturalmente o da Grande Depressão, existiu um movimento generalizado, semi-político e semi-económico, a favor da descentralização... de romper com o síndroma metropolitano. Realizávamos encontros e conferências e publicávamos uma revista, a Free America, que trazia muitos artigos sobre a destruição do meio ambiente, o regresso à terra, a auto-suficiência, a vida simples e assim por diante. Eu estive muito activo no movimento e escrevi bastante para a Free America.
Li algumas das coisas que escreveu para essa revista em 1938 e parecem ter sido escritas hoje!
(Risos). Sim. Nada mudou muito... só se agravou. Já então estávamos bastante descontentes com a excessiva concentração de população e riqueza, a destruição do meio ambiente e tudo isso.
Quem se interessa por estes problemas hoje em dia devia conhecer o movimento Descentralista. Ainda se poderia aprender muito com este. E, claro, pode-se recuar ainda mais até todo o movimento Transcendentalista e até ao movimento das Comunidades Utópicas dos anos 1840. É a mesma coisa.
O movimento Transcendentalista anterior era surpreendentemente semelhante a muitas das coisas que estão a acontecer hoje, principalmente o grande interesse que os seus discípulos tinham pela filosofia oriental. Lembro-me até de ter lido um relato sobre a famosa Quinta Brook, a primeira comuna, que contava como os jovens que lá viviam eram importunados quando iam a Boston porque usavam boinas e tinham barba! (Risos). E isto foi em 1840! Portanto, há, muito claramente, um fenómeno cíclico a acontecer aqui.
Parece uma verdadeira tradição americana.
Bem, creio que é! Toda a ideia original jeffersoniana era que a América fosse povoada por pequenas comunidades auto-governadas, muito enraizadas na terra. Deviam estar afiliadas ao nível federal só para certos propósitos excepcionais... mas o controlo e a autonomia económica seriam locais. Esse era o verdadeiro Sonho Americano, valha-nos Deus! Suponho que começou a desmoronar-se por volta do período jacksoniano, quando o poder do dinheiro e da grande banca se tornou dominante. Eu diria que esse conceito original é agora uma corrente profunda e latente, que esteve submersa durante muito tempo... mas espero que volte novamente à superfície.
Gostaria de comentar o súbito renovado interesse pelas ideias descentralistas, sobre as pessoas que estão a “desistir” e o movimento de regresso à terra?
Bem, tenho sentimentos mistos em relação a isso. É certo que saúdo a repulsa contra o sistema e saúdo o reconhecimento da necessidade de desenvolver estilos de vida alternativos, mais naturalmente adaptados. Mas a minha crítica é que, até agora, o movimento actual tem-se baseado demasiado na ideia de fugir para uma zona selvagem para “fazer o que se quer”. Sinto que esta não é uma abordagem adequada ao tipo de transformação que a nossa sociedade necessita.
O novo pioneirismo tem de ser de natureza colectiva, comunitária e regional. As pessoas têm de estar muito mais conscientes das suas correlações com a sociedade, e não simplesmente rejeitar toda a sociedade e tentar alcançar uma auto-suficiência total... o que não passa de uma fantasia. Devem estar muito mais conscientes da necessidade de esforços colectivos de vários tipos e a vários níveis... o ambiente institucional dentro do qual vivemos e operamos torna possível ou impossível o desenvolvimento de uma verdadeira sociedade ecologicamente adaptada. Não podemos pura e simplesmente ignorar isto — porque, por mais que nos embrenhemos nos bosques e por mais que finjamos que somos índios, quero dizer, não somos — e temos de enfrentar estas correlações e os problemas colectivos e organizacionais.
Hum, poderia talvez elaborar um pouco sobre o que chama a “fantasia” da auto-suficiência total...?
Bem, podemos abordá-la de uma forma muito simples. Vais para o bosque e, por exemplo, precisas de ter ferramentas de ferro... instrumentos bastante sofisticados. Tudo isto remete, inevitavelmente, para algum tipo de complexo industrial. Para teres um bom machado ou uma pá devidamente equilibrada, tem de haver pessoas que saibam onde extrair o minério de ferro. Têm de existir refinarias, forjas, e assim sucessivamente. Tem de haver uma relação saudável entre ti e todo esse complexo.
Isto aplica-se praticamente a qualquer campo. Ainda não conheci nenhum dos chamados pioneiros, por exemplo, que produza uma parte substancial das suas próprias proteínas, hidratos de carbono e gorduras. Toda a gente tem uma horta simbólica, naturalmente, o que é muito bonito... mas, mais cedo ou mais tarde, acabam por descer à Safeway e comprar o verdadeiro abastecimento principal de mantimentos que os mantém. Isto implica a pecuária comercial, a agricultura comercial... uma especialização bastante sofisticada e complexa.
Estas especializações devem, sem dúvida, existir numa escala muito mais reduzida, e devem situar-se ao nível comunitário e regional... mas não podemos fingir que não são necessárias. São-no. E a fantasia de que se está a ser auto-suficiente quando não se está, na realidade, só atrapalha a construção de uma verdadeira economia alternativa.
Diria, então, que, na nossa pressa de repudiar os aspectos artificiais da vida moderna, estamos a ignorar uma dependência muito real da cultura da qual pensamos ter-nos afastado...?
Sim. Gostaria também de salientar a tendência, na contracultura, de dar uma ênfase excessiva a soluções técnicas ou de engenhocas para um problema. Há uma tremenda vaga de interesse, agora, pelo aquecimento solar e pela geração de electricidade através do vento, o que é positivo... mas continuo a sentir que o problema principal reside em reestruturarmos as nossas comunidades e as nossas formas de produção de modo a que as necessidades energéticas sejam drasticamente reduzidas. Se não o fizermos, estas novas formas de energia não-poluente não conseguirão satisfazer as nossas necessidades.
Vemos aqui, de novo, o grande fosso entre o que pensamos que estamos a fazer e o que realmente fazemos. Para dar um exemplo simples, deparamos com casos de desertores ricos que aderiram entusiasticamente à energia eólica e importaram um gerador de vento caríssimo da Austrália. Erguem-no simbolicamente sobre a sua cúpula ou abrigo... mas, ao mesmo tempo, andam pelo país em grandes veículos de tracção às quatro rodas que consomem, numa hora, mais energia do que o gerador de vento pode produzir numa semana! É um padrão autodestrutivo.
Temos de aprender a viver de modo a não impor exigências energéticas tão pesadas ao meio ambiente. Se o fizermos, então, os geradores de vento e a energia solar são belíssimos... ajudarão. Só estou a prevenir contra esta velha noção americana de que, algures, existe uma engenhoca maravilhosa que resolverá todos os nossos problemas por nós.
A reorganização da sociedade, então, é o denominador comum do problema.
Creio que sim. Penso que a ineficiência logística da sociedade moderna é tão inacreditável que nem sequer nos damos conta dela. A má relação entre produção e consumo, a distribuição da nossa população, a natureza das nossas comunidades, a forma como as pessoas vivem em grupo... tudo isto construiu exigências energéticas tão enormes que já não é viável sequer sonhar em satisfazê-las com fontes não-poluentes. Somos empurrados para a energia atómica e outras idiotices. Até que façamos, de facto, as mudanças sociais, demográficas e logísticas necessárias, estamos só a fantasiar!
Costumava haver um velho ditado entre os engenheiros aeronáuticos: “se usares potência suficiente, até consegues pôr um lava-loiças a voar!” É assim que toda a nossa economia funciona; é extremamente anti-científica. Falar como se esta fosse agora uma sociedade científica é um perfeito disparate! Em termos da estrutura e do funcionamento principais da nossa sociedade, é absurdamente ineficiente e anti-científica. Uma sociedade descentralizada e biotécnica seria, num sentido muito real, uma sociedade muito mais científica do que a que temos hoje.
Bem, nisso tenho de concordar consigo, mas não estaremos a entrar numa daquelas situações de “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”? Não sentes que o movimento de regresso à terra pode ser a primeira vaga dessa nova organização social que imaginas? Muitos de nós seguimos esse caminho, sabes, devido à completa desilusão com as tentativas de mudar a sociedade. Os movimentos dos Direitos Civis e da Paz dos anos 60 ensinaram-nos que a actual estrutura de poder não está disposta a mudar... excepto, talvez, apodrecendo por dentro... como o caso Watergate demonstrou.
Bem, não discordo propriamente disso. Suponho que estou só a ser hipersensível àquilo que me parecem ser tendências autodestrutivas entre os chamados “novos” ou contraculturalistas.
Peter, pode contar-nos um pouco sobre como e porquê começou a trabalhar com foguetões? Como aconteceu estar precisamente ali, no próprio nascimento da Era Espacial...?
Bem, era algo que estava no ar no início dos anos trinta. Mesmo naquela altura já havia muita especulação sobre o assunto. Tinha-se feito alguma investigação e havia uma literatura relativamente extensa — sobretudo em francês e alemão — e, sendo eu um jovem fascinado pelo impulso da tecnologia... bem, era uma das fronteiras, e interessava-me.
Traduzi a obra clássica de Esnault-Pelterie, L’Astronautique, e aprendi imenso com isso... cheguei até a escrever alguma ficção científica baseada na obra. Juntei-me à embrionária American Rocket Society... que era o único grupo nos Estados Unidos, fora Goddard, a realizar investigação física real no campo. Durante um período de cinco ou seis anos estivemos muito activos nas imediações de Nova Iorque e desenvolvemos, de facto, o primeiro motor de foguete de combustível líquido regenerativo bem-sucedido da América.
Os nossos primeiros sonhos, claro, eram sobre a exploração espacial. Colonizar Marte e essas coisas. É curioso. Muitos de nós éramos escritores de ficção científica e financiávamos o nosso trabalho prometendo uma parte substancial dos rendimentos de cada conto que escrevíamos para o Fundo de Experiências.
Fomos o único grupo na América a desenvolver um motor de foguete fiável antes da Segunda Guerra Mundial. Mas depois — à medida que a guerra se aproximava e se tornava evidente que o campo seria dominado pelos militares — afastei-me e tentei dissociar-me de tudo isso. Foi o auge da alta tecnologia — o impulso faustiano e tudo o mais — e acabei por reagir contra isso, voltei para a Flórida, construí uma casa na orla dos Everglades e interessei-me por uma tecnologia mais simples...
Foi nesta altura que se envolveu com a energia solar?
Sim. Uma coisa que talvez não seja muito conhecida é que, nessa época, existia uma indústria florescente de aquecedores de água solares domésticos. Havia cerca de quinze empresas na Flórida e várias outras no sul da Califórnia a fabricar essas unidades. As técnicas estavam já desenvolvidas a um bom nível prático e foram construídos e instalados muitos milhares de aquecedores. Naturalmente, interessei-me por isto. Construí várias casas e instalei esses sistemas nelas. Estava a fazer uso de uma tecnologia rotineira, já existente há muito.
Portanto, no essencial, muitas pessoas estão hoje a reaprender algo que já estava bem elaborado e documentado nos anos 30?
Exactamente! Claro que, nessa altura, tratava-se apenas do aquecimento de água. Só quando voltei para o norte, nos anos 40, é que as pessoas da zona começaram a abordar o projecto de aquecedores solares para o espaço habitável. Havia então trabalhos muito interessantes, particularmente no Massachusetts Institute of Technology. Existia a Fundação Cabot para investigação solar, que financiava várias casas experimentais nessa zona. A que foi construída por Maria Telkes em Cambridge — creio que foi logo após a guerra — foi uma das primeiras casas a usar sais de Glauber para armazenamento de calor.
Fiz uma viagem especial a Cambridge para ver esse edifício e falar com a Dr.ª Telkes. Quando nos mudámos para o Novo México, isso fazia parte dos meus planos... aplicar, logo que possível, o aquecimento solar à casa que viesse a construir aqui.
E, naturalmente, fê-lo.
Sim, concebi uma das primeiras casas biotécnicas assim que nos instalámos e começámos a funcionar aqui no Sudoeste. A casa foi construída com materiais locais — pedra e madeira — mas utilizava aquecimento solar e um gerador eólico. Estudei toda a literatura disponível e modifiquei um pouco os meus planos para os adaptar às circunstâncias locais. Empenhei-me bastante nessa casa pioneira... e, inevitavelmente, creio, cometi alguns erros básicos no projecto, dos quais hoje me apercebo (risos). Ao menos aprendi o que não fazer.
Alguns anos depois — creio que por volta de 1956 — quando adquirimos um pequeno edifício de adobe em Santa Fé, decidi fazer uma segunda tentativa de construir uma casa com aquecimento solar. Apliquei tudo o que aprendera com a primeira casa e todas as ideias mais recentes de outros experimentadores nesse projecto. A casa tem funcionado com sucesso razoável desde então... há cerca de quinze anos.
Ainda tenho mais ideias, mas não tive oportunidade de as incorporar numa construção. Há limites ao que se pode fazer. Remodelámos outras casas, mas é difícil pegar num velho adobe e transformá-lo numa casa solar... por isso não tive ainda a oportunidade de continuar o meu trabalho. Mas tenho-me mantido atento aos avanços. Sei o que faria na próxima casa que construísse!
Peter, escreveu um livro — Uma Paisagem Para Humanos — que, de muitos modos, resume as suas reflexões sobre a sociedade, a forma como está organizada e o modo como as suas forças podem tornar a vida do indivíduo mais rica ou mais pobre. Como surgiu esse livro?
Creio que foi o meu pai quem começou a lançar as bases do Uma Paisagem Para Humanos, quando levava a família nessas viagens de Verão, que duravam meses, quando eu era rapaz. Era bastante perturbador, como já referi, voltar à cidade de Nova Iorque depois de três ou quatro meses no campo... e ficar completamente esmagado pelos bairros de lata e pelo urbanismo degradante.
Isso incomodava-me então e continua a incomodar-me. Queria saber por que razão — quando nos tínhamos proposto criar o Sonho Americano jeffersoniano — produzimos uma paisagem tão hedionda em tantas partes do país. Passei, de facto, a minha vida a procurar as forças que provocaram tal coisa.
Viemos para o Novo México em 1949 porque senti que o Sudoeste era a única região do país onde muitos dos antigos valores humanos ainda se encontravam preservados. Precisava desses valores — era uma espécie de refugiado — e senti que talvez pudesse dar um contributo ao Novo México para ajudar as pessoas daqui a evitar o mesmo ciclo de deterioração que estava a ocorrer no resto dos Estados Unidos.
Assim, instalámo-nos nesta aldeia e tentámos aprender, trabalhar e construir para nós próprios um modo de vida não-explorador. Sustentámo-nos abrindo um pequeno restaurante e servindo, tanto quanto possível, só alimentos produzidos localmente.
Isso é interessante! Mergulhou de cabeça e tornou-se parte integrante do quotidiano desta pequena aldeia. Muitas vezes, sabe, as pessoas que querem estudar o funcionamento de uma micro-sociedade tendem a manter-se à parte dos “nativos” que lá vivem.
Bem, na verdade, tive aqui uma espécie de actividade a três níveis. O primeiro, claro, foi o muito pessoal, no qual tive de construir o meu próprio habitat e tentar sobreviver economicamente. O segundo nível foi onde exerci o meu interesse pela situação local e regional. Finalmente, num terceiro nível, colaborei até certo ponto com o Gabinete de Planeamento do Estado e algumas agências em Washington. Tudo isto me deu a oportunidade de ver a situação a partir de vários pontos de vista.
Depois de mais de vinte anos a estudar esta região e os seus valores de baixo, do meio e de cima, senti que tinha um estudo de caso que podia — e devia — apresentar.
Sinto que esta área é uma região-chave, no sentido de ser um microcosmo do mundo subdesenvolvido, ou proto-industrial. O livro é uma tentativa de resumir — em linguagem não-política — as minhas observações sobre a estrutura da economia local, o seu funcionamento e os efeitos das políticas existentes — nos negócios, nas finanças, no governo e na educação — sobre o futuro da situação humana aqui. Faço algumas sugestões sobre como essas políticas poderiam ser modificadas de modo a reforçar as qualidades positivas da nossa vida, em vez de as destruir. É sobre isso que trata o livro. Não creio que exista nenhum outro estudo comparável que cubra este leque de factores para uma região tão relevante.
Sr. van Dresser, obrigado.
Eu é que agradeço.
James B. DeKorne
© Mother Earth News, 1 de Setembro de 1975.