A maior alienação que o capitalismo impôs à humanidade talvez não seja, como Marx sustentava, a da força de trabalho, mas antes a capacidade de viver uma vida baseada na relação directa com a natureza. Onde outrora existia um contacto íntimo com o mundo natural, dominam hoje as paisagens urbanas, as economias abstractas e a tecnocracia industrial.
As estruturas económicas e legais do capitalismo foram extremamente eficazes a proibir economias de subsistência. A posse de terra tornou-se requisito indispensável para interagir com a natureza para lá das visitas supervisionadas a paisagens mal geridas. Esta alienação ocorreu com tamanha eficácia que a ausência da natureza na sociedade é praticamente percepcionada como sendo algo natural, um dado adquirido.
A expulsão dos camponeses dos baldios, no século XVII, foi a primeira acção fundamental do capitalismo moderno. Ao remover-se os meios de subsistência, tornou-se inevitável a dependência das hierarquias sociais, forçando os camponeses a vender a sua força de trabalho. À medida que o colonialismo se propagava para lá do Atlântico, foi necessário destruir os modos de vida das populações indígenas — resultando em atrocidades como o massacre de milhões de bisontes. Tal levou os povos indígenas à dependência do comércio ocidental, acumulando dívidas e sendo coagidos a assinar tratados desiguais.
Ao longo da história, uma das intervenções principais das hierarquias sociais na vida humana consistiu em retirar às comunidades a capacidade de manter estilos de vida de subsistência. Se a natureza fornece os recursos necessários à vida, então a acumulação torna-se desnecessária. A ilusão de que os sistemas de subsistência, mesmo quando baseados numa observação atenta da natureza, não podem suprir as nossas necessidades, é essencial à manutenção da hierarquia social.
A promessa da permacultura tem sido a de desmantelar essa ilusão através da aplicação de uma observação extensa na concepção de sistemas materiais que, ao mesmo tempo, potenciem o processo evolutivo da natureza e satisfaçam as necessidades humanas. Observações rigorosas de todo o aparato dos ecossistemas (em vez da dissecação dos seus componentes) permitem ao praticante de permacultura replicar o sucesso material da natureza.
Os princípios observados são aplicados à satisfação das necessidades humanas, assegurando que tanto as gerações presentes como as futuras possam viver com todos os bens materiais essenciais. Alimentos, fibras, água, materiais de construção, etc., são cultivados e produzidos em sistemas sofisticados de interligação e interdependência, que espelham os ecossistemas em que se inserem. Através do processo de design da permacultura, as qualidades intrinsecamente sustentáveis e resilientes dos ecossistemas naturais são replicadas nos sistemas humanos.
A capacidade da permacultura de prover todas as necessidades humanas pode tornar obsoleta a acumulação social de poder e a acumulação material de riqueza. Embora seja necessário algum grau de autoridade, dada a perícia necessária para conceber e manter tais sistemas, essa autoridade não é altamente técnica nem esotérica.
Em contraste com a perícia tecnológica necessária para operar e manter a vasta economia de extracção e manufactura, a permacultura é extremamente acessível. Um sistema centralizado, hierárquico e deslocalizado de gestão de recursos torna-se desnecessário. Como a economia capitalista global depende da extracção de matérias-primas, do transporte dessas matérias por vastas distâncias e do extenso processo industrial necessário à produção de bens de consumo, a hierarquia social de tecnocratas, burocratas, ricos e seus executores — encarregues de supervisionar esse sistema — perde o seu lugar num sistema material que procura replicar a natureza num sistema local de componentes interdependentes.
A capacidade humana de aprender com o meio envolvente e de satisfazer as suas necessidades por meio de uma observação atenta da natureza tem sido parte crucial da nossa evolução. A permacultura é, simplesmente, uma iteração moderna e ocidental dessa capacidade intrinsecamente humana.
As sociedades indígenas de todo o mundo têm abraçado em pleno esta dimensão da nossa humanidade e alcançado feitos notáveis através da sua aplicação. Como sustentava o teórico social anarquista Murray Bookchin, a história do desenvolvimento humano é a história do aperfeiçoamento de instituições sociais que interagem com a natureza de forma cada vez mais sofisticada, potenciando simultaneamente os elementos igualitários da sociedade e os aspectos científicos.
Neste sentido, as sociedades indígenas têm sido extraordinariamente bem-sucedidas. O desenvolvimento da ciência indígena permitiu a inúmeras comunidades criarem meios sofisticados e ambientalmente sustentáveis de satisfazer as suas necessidades. Em geral, a ciência indígena consiste num saber ecológico tradicional, no qual as observações do ambiente estão integradas nas tradições culturais, sendo preservadas e enriquecidas ao longo de gerações.
Tal prática permitiu a essas sociedades realizar feitos como previsões meteorológicas de longo prazo, graças ao enorme volume de dados específicos e localizados contidos nas suas tradições culturais. Realizações desse género são irreproduzíveis pela ciência ocidental, devido à natureza generalista e global dos dados que esta consegue reunir.
O impulso para fazer a sociedade relacionar-se com a natureza de forma precisa é um princípio indígena que esteve na origem da permacultura. Infelizmente, a permacultura tem vindo a afastar-se cada vez mais do seu propósito original.
Embora, à superfície, a permacultura continue a abraçar os princípios materiais observados na natureza, tem vindo a adoptar os sistemas sociais do capitalismo de formas aparentemente subtis. O discurso dominante em torno da permacultura não questiona os construtos sociais nem a história que deram origem aos sistemas capitalistas de propriedade privada e de posse, nem tão-pouco os privilégios, opressões e mecanismos de coerção que esses sistemas implicam. Trata-se de um erro fundamental.
A permacultura não pode cumprir o seu propósito — a satisfação material das necessidades humanas de forma ecologicamente sustentável — enquanto permanecer confinada ao interior da propriedade privada. Os sistemas materiais holísticos e as sociedades enraizadas na natureza que a permacultura pode facilitar são impossíveis de concretizar numa paisagem fragmentada por demarcações arbitrárias, baseadas num sistema económico abstracto.
Essas linhas de propriedade nada têm que ver com a realidade material da paisagem e dos seus ecossistemas — realidade essa com que a permacultura se ocupa em primeira instância. Este é um problema incontornável para a permacultura: é preciso desenvolver, no seu seio, um discurso que se oponha de forma clara a este sistema de opressão e de retenção da terra. Caso contrário, o discurso permacultural continuará a degradar-se, limitando-se a fornecer uma ciência de design inspirada na natureza para privilegiados e abastados, permitindo-lhes viver de forma mais ética e em maior proximidade com a natureza, enquanto que os não-privilegiados continuam a ser excluídos.
Sem posse da terra, a prática da permacultura encontra-se extremamente limitada. A estratégia para contornar esta realidade está clamorosamente ausente do discurso permacultural contemporâneo. Cultivar legumes em vasos, num parapeito de janela ou numa varanda, não é permacultura.
Cultivar vegetais no quintal, rodeado de árvores de fruto e consórcios vegetais de apoio, mas continuar a comprar alimentos vindos de centenas de quilómetros de distância — isso também não é permacultura.
A retórica que afirma “podes fazer permacultura em qualquer lugar” ignora o impulso humano para uma relação de subsistência com a natureza e o propósito original da permacultura: facultá-la. Trabalhar com plantas em espaços isolados e empobrecidos não é uma afirmação radical da nossa ligação com a natureza, nem uma demonstração da nossa capacidade de conceber sistemas físicos e sociais baseados em observações rigorosas. Ceder neste ponto é pactuar com a opressão capitalista.
Sem confrontar estas realidades sociais e as suas manifestações físicas, a permacultura não poderá alcançar os seus objectivos de fornecer uma ciência de design inspirada na natureza à humanidade. Evitar esta realidade trouxe-nos ao limite. Sem um discurso verdadeiramente radical e libertador, a permacultura esquecerá o seu propósito, será engolida pelo capitalismo e deixará de existir.
Para evitar tal destino, a metodologia permacultural deve integrar observações sociais lúcidas e radicais. A permacultura possui um potencial único para reconhecer e analisar a natureza como sinónimo entre causas sociais e causas ambientais. Nesse sentido, impõe-se uma revisão da sua metodologia fundamental. A análise de zonas e sectores, empregue pelos designers de permacultura, parte do pressuposto de que o designer está a trabalhar no interior da propriedade privada.
Esse pressuposto básico tem de ser eliminado se se quiser cumprir os objectivos a que a permacultura afirma aspirar. Caso contrário, essas fronteiras — impostas pela hegemonia capitalista — continuarão a limitar de forma indelével a imaginação do praticante de permacultura.
Os designers devem elevar a sua imaginação à escala da bacia hidrográfica; devem desenvolver uma ciência de design de sistemas materiais que rejeite fronteiras arbitrárias — inclusive as do Estado-nação — e analise de forma rigorosa a delimitação de territórios, com base em realidades tanto sociais como físicas. Nada menos do que este rigor será capaz de se opor à dominação dos nossos pensamentos e dos nossos espaços.
A autodeterminação e a responsabilidade partilhada criam as condições necessárias para a criação de sistemas que reflectem verdadeiramente os mecanismos evolutivos da natureza — pois foi assim que a nossa espécie evoluiu, operando nos seus limites.
O engenho humano e a observação científica rigorosa só podem florescer em circunstâncias de comunidade partilhada; a propriedade privada impõe limitações intrínsecas à nossa criatividade, confinando-nos a organismos auto-absorvidos.
A permacultura possui a metodologia científica necessária para se opor aos sistemas de propriedade privada e propor uma alternativa radical — tanto no que toca ao design de sistemas, como à gestão de recursos e aos sistemas sociais daí decorrentes —, mas não o tem feito até agora. Isto tem de mudar. A permacultura deve empregar todo o seu saber na tarefa de se opor ao capitalismo e de libertar os seus semelhantes e a Terra.
Conceber consórcios vegetais, comer frutas e legumes caseiros, e permitir que a classe média e alta viva mais perto da natureza não basta.
Só quando a permacultura abraçar um discurso social libertador e anarquista, em oposição radical ao capitalismo global e aos sistemas de propriedade, poderá cumprir verdadeiramente o seu propósito. É esse o único destino digno de uma disciplina que tem as suas raízes na ciência indígena.
Max Shaver
Publicado originalmente na Fifth Estate nº 416, Primavera de 2025.